O Cancioneiro do Niassa é um conjunto de letras adaptadas à música de fados e de canções, escritas entre 1967 e 1973 por militares portugueses que cumpriram a sua comissão no Niassa, noroeste de Moçambique, combatendo os guerrilheiros nacionalistas da Frelimo. O Cancioneiro do Niassa é, por isso, um valioso repositório daquilo que pensavam e sentiam muitos dos militares portugueses que foram mobilizados para a frente de batalha, em defesa do império colonial português.
Muito já se escreveu sobre o Cancioneiro do Niassa e muito mais se irá escrever ainda, com certeza. Permito-me, contudo, realçar aqui dois ou três aspectos que podem ser encontrados nestes poemas.
Um primeiro aspecto é a total ausência de ódio pelos guerrilheiros em particular e pelos africanos em geral. No caso dos guerrilheiros, então, chegam-se a encontrar manifestações de respeito e até de admiração, como no Fado do Turra, onde se diz a certa altura que os guerrilheiros têm «a alma nobre».
Em contrapartida, encontramos uma extraordinária violência no tom utilizado em relação à hierarquia militar (Hino do Lunho) e aos colonos da cidade de Lourenço Marques, actual Maputo (Fado das Comparações). Aqueles homens sentiam-se muito mais próximos dos guerrilheiros que combatiam, do que dos colonos por quem se sacrificavam.
Isto conduz-me ao segundo aspecto, que é o de que já se podem ver aqui as sementes do que viria a ser o 25 de Abril e a descolonização. Estes homens sentiam-se injustiçados, mas ainda não revoltados; por isso se serviram de fados para exprimir os seus sentimentos. No entanto, a revolta não tardou em chegar, com o derrube do regime em 1974. Lendo os poemas do Cancioneiro do Niassa, poderemos compreender melhor porque é que a queda do anterior regime foi obra de militares.